Chega de preconceito. Compete ao poder público assegurar ao funk “a realização de suas manifestações próprias, como festas, bailes, reuniões, sem quaisquer regras discriminatórias”. E é “proibido qualquer tipo de discriminação ou preconceito, seja de natureza social, racial, cultural ou administrativa contra o movimento ou seus integrantes”. É a Lei do Funk, número 5543, de 22 de setembro de 2009. Não está em discussão. Muito menos se esta ou aquela autoridade pública ainda acha que “isso é coisa de bandido”. Cumpra-se, como todas as outras.
O Funk-soul, desde os bailes reprimidos nas periferias do Rio nos idos dos anos 1970, completa 50 anos.
Seu auge ocorreu em pleno recrudescimento da ditadura militar. No momento em que a ditadura fechava o Congresso Nacional em 1974, mais de um milhão de jovens pobres, negros da periferia do Rio de Janeiro já dançavam em dezenas de bailes do subúrbio ao som de Equipes de Som como Soul Grand Prix, Black Power, Uma Mente Numa Boa, em seguida, Furacão 2000, Cash Box, Petru’s, Tropa Bagunça, dentre outras.
O movimento foi batizado na época pela jornalista Lena Frias (matéria no Jornal do Brasil) com o nome de “Black Rio”, ao mobilizar sistematicamente um público de maioria negra e com elementos (música, dança e indumentária) da cultura negra norte-americana.
Os radialistas e DJs Ademir Lemos e Big Boy foram precursores dos chamados “Bailes da Pesada”, no Canecão. Por “medo” dos “blacks”, a cidade “sempre partida” escorraçou os bailes da Zona Sul para os subúrbios da Central do Brasil. Ao contrário do que imaginavam, em vez de se extinguir na “clandestinidade”, o movimento chegou ao milhão, apesar de toda a repressão.
Artistas como Tony Tornado, Gerson King Combo, Banda Black Rio e os DJs e apresentadores Big Boy, Monsieur Limá e Cidinho Cambalhota deram ênfase ao movimento e ficaram marcados como personagens importantes da época com seus estilos próprios. Outros personagens se notabilizaram, ajudando a construir o cenário destes 50 anos de Soul Funky no Brasil. Dom Filó, Nirto, Mr. Paulão Black Power e ainda DJs do naipe de Corello, Marlboro e Neném e os saudosos Mr. Funky Santos, Luizinho Disc Jockey Soul e Marcão Cash Box.
Apesar de todos os percalços, há que comemorar estes 50 anos.
Para resgatar parte dessa história, protagonistas remanescentes daquela época estão organizando várias atividades, como os “Bailes da Antiga”, na Zona Norte e Baixada Fluminense. Os personagens são quase os mesmos, tanto pelos artistas e DJs da época como pelo público que frequenta os eventos – hoje, não mais do que algumas centenas de pessoas já na Terceira Idade ou quase chegando lá.
Mas acredite: em que pese a lei em vigor, esses eventos e seus organizadores estão sofrendo perseguição e proibição por parte de autoridades públicas do Estado do Rio de Janeiro. De novo!
Se isto não é preconceito, é o quê?
Funk-se sem preconceito, se puder.
*Rômulo Costa é dono Furacão 2000